Especialistas apontam erros no combate ao sarampo no Rio

Em São Paulo, contenção da doença é creditada a investimento em logística e a campanhas direcionadas ao público-alvo

Imunização. O auxiliar administrativo Josué Fontes, de 26 anos, tomou a segunda dose da vacina contra o sarampo em posto na Cidade Nova, no centro do Rio

Além da baixa cobertura vacinal e da facilidade de contágio do vírus, especialistas apontam falhas nas estratégias públicas de combate ao sarampo como uma das razões para o aumento de casos confirmados no Rio, no começo deste ano. Uma das medidas mais prejudiciais, afirmam, foi a redução, a partir do ano passado, do aparato de saúde da família na capital, com demissões de pessoal e queda nos atendimentos. Na cidade do Rio, inclusive, circulam com frequência moradores das cidades-dormitório da Baixada, onde ocorreram o maior número de casos confirmados em 2019, segundo a Secretaria estadual de Saúde do Rio. Cabe aos profissionais da saúde da família, por exemplo, a checagem regular da carteira de vacinação. É o agente de saúde comunitário que vai de casa em casa para avaliações periódicas. — Quando a criança não é levada ao pediatra, é ele quem vai até lá e puxa a orelha — afirma Edimilson Migowski, professor de infectologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O vereador Paulo Pinheiro (PSOL), da Comissão de Saúde da Câmara dos Vereadores do Rio, lembra que a prefeitura da capital cortou 215 das 1.294 equipes de Saúde da Família no ano passado e demitiu 5 mil profissionais da área, 90% deles agentes comunitários. As equipes foram idealizadas para contar com um médico, uma enfermeira, um técnico de enfermagem e entre quatro aseis agentes. Mas, segundo Pinheiro, 239 equipes não contam mais com médicos.

Cada grupo é responsável por atendera uma área com cerca de 4 mil pessoas. Com as demissões, a cobertura de saúde da família diminuiu de 70,6%, em 2018, para 51,2% dos cariocas, este ano, aponta o vereador.

A especialista em saúde pública Ligia Bahia, professora da UFRJ e colunista do GLOBO, também vê no “enfraquecimento” da saúde da família uma das principais causas do reaparecimento do sarampo. Uma unidade pública de saúde, enfatiza, além de atender pacientes, também é responsável pelo controle de doenças.

— Por isso, é importante que as unidades tenham estabilidade e contem com recursos para assistência e vigilância epidemiológica. É imprescindível conhecer os problemas das populações para realizar vigilância efetiva: saber quem foi e não vacinado, suspeitar da ocorrência de casos, proteger os contatos e investigar o diagnóstico —afirma.

CARNAVAL E ‘DIA D’

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do Rio não vê, no entanto, uma desmobilização na estratégia de Saúde da Família no Rio. A SMS afirma que conta com cerca de 4.500 agentes comunitários. Na cidade do Rio, de acordo com a SMS, já foram vacinadas mais de 160 mil pessoas este ano, com 233 salas de vacinação à disposição. Hoje, no Dia D, todas as 233 unidades da rede de atenção primária e 120 postos extras montados em diversas as regiões da cidade —em locais como praças, shoppings e supermercados —vão vacinar a população entre 8h e 16h. O auxiliar administrativo Josué Fontes, 26 anos, preferiu se adiantar e foi se vacinar ontem mesmo no Centro Municipal de Saúde Marcolino Candau, na Cidade Nova, no Centro da cidade.

— Vim porque minha empresa pediu para os funcionários estarem em dia com as vacinas, mas também por tudo que li nas redes sociais. Estou fazendo a minha parte e falando com todo mundo sobre a importância de se vacinar—afirmou. Patrícia Guttmann, Superintendente Municipal de Vigilância em Saúde , afirmou que a SMS também está fazendo, por conta do Carnaval, uma campanha específica para vacinar profissionais que têm contato frequente com turistas, motoristas de táxi e aplicativos, funcionários da rede hoteleira, garis da Comlurb, guardas municipais e policiais. Justamente por conta da capacidade elevada de contágio, a cobertura vacinal do sarampo precisa estar próxima dos 100%. Os especialistas enfatizam que a única forma de proteger de fato um bebê de menos de seis meses é que todos ao redor estejam devidamente vacinados.

Para o infectologista Edimilson Migowski, na ausência de busca ativa pela vacina pela população-alvo, também é fundamental identificar os faltantes. Ele defende o investimento em um trabalho de inteligência para que se saiba o número de crianças na região e quantas doses da vacina precisam ser disponibilizadas.

Ligia Bahia salienta ainda que as campanhas não foram suficientemente divulgadas no Rio. —A propaganda de estímulo à vacinação deixou de ser prioridade. Não temos mais o equivalente a um Zé Gotinha, por exemplo —diz.

VACINA NO METRÔ

O Estado de São Paulo vem freando novos casos justamente com a ênfase em campanhas pensadas a partir das necessidades do público-alvo . No ano passado, o Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria estadual de Saúde notificou média de 1.452 casos confirmados por mês (além de 14 mortes). Neste ano, 176 diagnósticos foram registrados. Para especialistas, ampliaro número de postos de vacinação e estender horários de atendimento também ajudaram a conter o avanço da doença. —Além de postos de saúde, foi um acerto fazer campanha em estações de metrô e shoppings, ou seja, onde está a população. Isso dá trabalho, demanda logística, mas faz diferença porque as pessoas trabalham e não têm tempo de seguir os horários dos postos —afirma Rosana Richtmann, médica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na capital paulista.

Em julho do ano passado, o Estado de São Paulo montou uma rede de aplicação da vacina contra o sarampo nas estações de ônibus, metrô e CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) para tentar conter o avanço da doença. As ações foram realizadas mensalmente, focadas em diferentes faixas etárias. No estado, a cobertura vacinal chegou a aproximadamente 75% entre os jovens de 20 a 29 anos, público-alvo que era o mais suscetível a não ter tomado a segunda dose da vacina. —Os casos registrados este ano, no entanto, não podem ser subestimados, pois o vírus segue em circulação. Há resultados de exames realizados em 2020 que ainda não estão prontos. As pessoas não podem deixar de se vacinar. O alerta continua — diz Helena Sato, diretora do Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria estadual de Saúde.

 

Fonte: O Globo
Data: 15/02/2020

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